23.6.12

O poder destrutivo das drogas e a nossa impotência diante dessa tragédia


Faz um bom tempo que eu tenho que escrever sobre esse assunto aqui. Eu fico enrolando e acabo me esquecendo, mas algo tem me incomodado muito recentemente: a cada dia tenho recebido notícias nada agradáveis sobre pessoas que eu conheço e amo que estão se acabando no vício do crack. Semana passada morreu um amigo de um amigo e na semana retrasada fiquei sabendo de outra amiga que está morando na rua, viciada nessa porcaria. São pessoas inteligentes, de boas famílias. São pessoas escravizadas pelo vício, sem opção de escolha.

Esse é um assunto do qual eu tenho propriedade pra escrever, já que fui usuário de drogas por doze anos e passei um ano em uma comunidade terapêutica me tratando do vício. Graças a Deus eu só fumei crack uma ou duas vezes. Meu problema era com o tabaco, o álcool, a maconha e a cocaína. Também ingeri uma grande quantidade de alucinógenos, como o LSD e o ecstasy e cheirei cola de sapateiro, lança-perfumespecial k (ketamina), que é um anestésico para cavalos e animais de grande porte.  Eu cheguei a fumar sávia pra ver se dava barato e já cheirei até esmalte, então posso me identificar com um viciado em crack. Teve um tempo em Londres em que eu saía de casa na quinta e voltava no domingo, todo quebrado. Teve um tempo em Campinas em que eu não saía de casa nem me relacionava com ninguém porque eu queria cheirar cocaína em paz, como se isso fosse possível. 

É claro que eu não me orgulho de nada disso, muito pelo contrário, tenho vergonha de ter desperdiçado tantos anos da minha vida me drogando. Comecei a beber e a fumar "inocentemente" aos 14 anos e só fui parar aos 30, quando já estava completamente viciado. Já falei um pouco sobre a minha experiência com as drogas e contei um pouco do meu testemunho aqui no blog

A variedade de drogas é enorme e eu nem citei a heroína, o crystal meth (metanfetamina), o GHB e os uppers (estimulantes) e downers (tranquilizantes ou calmantes), que você encontra nas farmácias. Existem drogas para todos os gostos, drogas para acordar e drogas para dormir. Vivemos em um mundo onde, infelizmente, reguladores de humor e anti-depressivos estão sendo receitados à crianças cada vez mais jovens. Isso porque eu nem mencionei os remédios pra emagrecer que são, na verdade, anfetaminas. Eu trabalhei em um escritório onde uma mulher começava a emagrecer e as outras começavam a ir ao mesmo médico e a tomar as mesmas drogas. Você precisava ver a situação que elas ficavam: piradas! Imagina todas juntas no mesmo corredor. Seria cômico se não fosse trágico. E triste. 

A dependência química é uma realidade que só não enxerga quem não quer. Duvida? Se você não conhece alguém que sofre desse mal, conhece pelo menos uma família ou um amigo de um amigo. Ligue a TV ou leia um jornal para ver a destruição causada pelas drogas. Essa onda desenfreada de violência e morte é reflexo direto do consumo cada vez mais desenfreado de crack. Quantas pessoas será que morrem diariamente por causa dessa porcaria, sejam usuários, traficantes ou vítimas de assaltos. É uma epidemia que está tomando proporções cada vez mais destruidoras. 

Você pode estar se perguntando o que eu pretendo com esse artigo. Em época de eleição, moramos em um país onde a descriminalização das drogas foi aprovada em maio, mesmo diante de tantas oposições e consequências negativas. EUA, Rússia, Grã-Bretanha, Suécia e Itália assinaram recentemente um pacto contra a legalização das drogas, que ficou conhecido como o pacto de ferro. Segundo uma pesquisa do Ibope, a situação das drogas no Brasil hoje é mais preocupante do que o desemprego. Sobre o que você acha que os políticos vão estar falando? É claro que as drogas em si não são as culpadas, se ninguém as consumisse elas não existiriam. Seu uso é apenas um reflexo desse mundo doente e corrompido. Não dá pra ficar em cima do muro, precisamos nos posicionar em relação a algo que nos afeta tão diretamente. Você precisa ter uma opinião a respeito desse problema, que não é apenas dos usuários, das famílias, do Estado e da polícia. É nosso problema como seres humanos, cidadãos e igreja brasileira. Ou você acha que dá pra ficar imune às consequências cada vez mais destrutivas dessa epidemia sangrenta? Todos somos afetados diretamente por essa tragédia. O problema é tão grande que a sensação que temos é de impotência diante de todos esses fatos. Nós, como seres humanos e sociedade civil, somos impotentes sim.


E se você, assim como eu, também se acha impotente diante dessa situação tão catastrófica e não pode fazer nada para mudar esse quadro, mude pelo menos a sua maneira de pensar sobre isso. Faça a sua parte, o que lhe cabe e o que é justo. Não julgue nem condene, busque soluções. Contribua com essa causa. Adote um recuperando. Não seja preconceituoso em relação aos dependentes químicos e ao tratamento para essa doença, que a medicina considera progressiva, incurável e fatal. Eu não acredito nisso, acredito que há cura e que há esperança. 

Aqui em frente à nossa base tem uma comunidade terapêutica (Crer Jovem) e é comum a saída repentina de pessoas que estavam se tratando, as recaídas e os sumiços. Notícias como essas são uma realidade recorrente na minha vida e na de muitas pessoas que conheço. É claro que quando eu usava drogas eu não pensava nessas coisas nem imaginava esse mundo da recuperação e do tratamento da dependência química. Eu fiz um curso com o Dr. Ronaldo Laranjeira na FEBRACT (Federação Brasileira de Comunidades Terapêuticas) e desde então tenho acompanhado as notícias publicadas no blog da UNIAD (Unidade de Pesquisa em Álcool e Drogas). Esse é um assunto que muito me interessa, visto que eu tenho entendido nesses últimos anos que o meu chamado pastoral é justamente para trabalhar com dependentes químicos em comunidades terapêuticas. Tive o prazer de coordenar uma unidade de tratamento do Desafio Jovem Ebenézer e conviver com muitos rapazes e suas famílias. O índice de abandono do tratamento é alto, chegando a 77%, mas eu sou testemunho vivo do poder restaurador que há em Jesus Cristo. Há sim cura para esse mal. Eu tenho alguns amigos queridos que também estão restaurados, reconstruindo suas vidas. Ontem mesmo tive notícias do Paulo, que se tratou junto comigo e que hoje está a frente de uma comunidade terapêutica no interior de São Paulo e vai se casar no mês que vem. Um dos pastores e muitos obreiros aqui da base vêm de um histórico parecido e muitas outras pessoas têm experimentado novidade de vida. Pessoas que não tinham esperança, totalmente desacreditadas, mas que foram resgatadas porque alguém acreditou nelas.  

Somos impotentes sim, mas Deus não está fazendo vista grossa e tem se manifestado contra esse poder através da Sua Igreja. A maior prova disso foi uma família que veio aqui essa semana atrás de um rapaz que eles adotaram, mas que recaiu no vício e estava morando na rua. Ele está bem agora, internado em uma casa de recuperação, onde ele está tendo uma nova oportunidade de recomeçar essa luta. Isso se chama misericórdia e amor de Deus. Foi o que salvou a mim e a muitas pessoas, é o que está salvando esse amigo e ainda vai salvar muita gente. Creia nisso e ore por essa causa, que pulsa no coração de Deus.

Nessas semanas tenho relido os diários que escrevi enquanto estava na casa de recuperação e pretendo escrever um livro sobre a minha caminhada nessa luta. Quero falar sobre as pessoas que conheci e as coisas que vivi e vi naquele tempo. Eu fui marcado pela libertação do vício, mas ainda tenho cicatrizes que não me deixam esquecer o que vivi e como sofri. Mas acima de tudo quero falar que há esperança para quem está preso nessa desgraça e quer ser liberto. Estou me preparando para trabalhar com isso porque acredito que há saída para viciados, traficantes e suas famílias. Existe um caminho, uma verdade e uma nova vida em Jesus Cristo.

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